A(in)utilidade da tristeza?

terça-feira, 29 de março de 2016

Muitas vezes, mais do que as que eu gostaria, tenho-me sentido triste quando vejo notícias no telejornal, quando não me sinto a ser suficiente para os desafios a que me proponho, quando não sou capaz de minorar o sofrimento dos que me procuram como psicóloga.

Quando reflicto, sei que tenho uma vida melhor do que alguma vez poderia ter desejado, e ainda que seja profundamente feliz a maior parte do tempo, sei que não poderei eliminar a tristeza. É dos sentimentos mais incómodos, dói mais que a ansiedade, esgota-nos mais que a raiva, parece ser muito mais duradoura que a efémera alegria. A maioria dos meus pacientes descreve-a como sendo a pior e mais inútil das emoções. Querem ver-se livres dela, deixá-la ali, amarrotada entre os lenços suaves, soltá-la a voar pela janela com o seu olhar, registada por uma última vez nos meus cadernos.

A estratégia mais comum é o evitamento. Fugir a sete pés em caminhadas, corridas, horas de ginásio. Pensar com toda a força em coisas alegres, momentos felizes, paraísos idílicos. Espremer o que possamos de uma memória ou de uma situação desagradável até lhe encontrar um propósito, uma graça, uma intenção divina ou do destino. Há quem deixe de ver telejornais, há quem deixe de ir visitar os avós velhinhos ao lar. Outros queimam cartas, apagam fotos, bloqueiam amizades facebookianas.
Eu aprendi com a minha primeira perda a fazer limonada da tristeza. Foi mesmo isto. Chorei rios de lágrimas enquanto fiz sumo de limão para congelar, enquanto fiz meio quilo de raspa de limão para congelar, enquanto cortei cascas de limão para congelar, enquanto todo o aroma a limão perdurou pela cozinha, enquanto aqueles limões se fizeram render em meses de limonadas, aroma para bolos e chá para acompanhar. Mas foi (e é) fundamental ter-me sentido tão triste, quase tanto quanto me sinto ainda hoje quando a memória me invade sem pedir licença. É que só nesse momento é que eu tive hipótese de me sentir verdadeiramente grata por alguém fazer tanta falta na minha vida. E depois outra e depois outra, a que doeu mil vezes mais. É que me senti humana, ligada à mesma inevitabilidade que todos os outros que sofrem. Ajudou-me a ser mais, a dar mais, a receber mais, a querer lutar por mais. A querer lutar a luta dos outros, porque o sofrimento deles também passa a ser um bocadinho meu.

A tristeza da perda acordou-me. Nada é para sempre, nada é certo. Mas eu quero mais deste sentir que há pessoas lugares e memórias que nos são e dão tanto, que aceito que no reverso da moeda doam quando nos deixam. Enquanto cá estiverem e eu cá estiver com elas quero ser assim, muito. Pelo menos por hoje, pelo menos agora. 


Inês Vinagre. Com tecnologia do Blogger.

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