Os meus avós.

terça-feira, 26 de julho de 2016

Não é preciso ser dia dos avós para me lembrar deles... Chegam-me ao pensamento e às palavras quase todos os dias, nos meus gestos, nas frases, nas memórias.
Sei, por defeito de formação, que as pessoas que nos amaram incondicionalmente na nossa infância nos marcam para sempre, mas nunca imaginei que o sempre fosse tanto e tão pesado. Tive avós, bisavós, vizinhas-avós, avós emprestados e avós clientes. Cresci com pessoas, com as suas histórias que me coloriram o imaginário do que não vivi. Sei que "perderam" algum tempo a dizerem-me como devia de fazer, dizer, ser..., mas tudo o que me deixaram é muito para além das palavras.



A Avó Arciolinda é o meu tronco de vida, de quem me lembro todos os dias, quem me dói de ferida aberta por ser uma perda que não se perde, porque a ela me agarro. Faria anos esta semana e diria que para o ano já cá não devia de estar, Tinha muito presente a fragilidade da vida e não se dava como garantida, mas não queria ter tempo para pensar sobre isso. Havia árvores no jardim para regar e podar, ervas a crescerem todos os dias pelo quintal que precisavam de ser contrariadas, roupa de tantos para tratar com todo o carinho. Esquecia-se do chapéu nos dias de sol, de comer nos tempos das ervas, dos males dos açúcares no tempo do bolo-rei e do peso que apertava o coração no tempo em que apeteciam as batatas fritas. Mas também sabia viver e entrar num comboio para ir trabalhar onde houvesse trabalho ou aprender a andar de mota quando a bicicleta já se tornava demorada não foram decisões em que se tivesse demorado. O que tinha de ser feito, era. Ríamos muito as duas, às vezes que nem perdidas. Não chorava muito, mas amuava às vezes e entristecia muito quando lhe amachucavam o seu enorme coração (nunca hei-de compreender como funcionaria tão mal um coração que era tão bom). Tinha histórias de mulher, filha, irmã, mãe. Gostava de mas contar e eu pedia para as ouvir. Ainda oiço a tua voz, que continua a dizer-me tanto.

A Avó Alda é um ramo delicado, uma matriarca mãe de homens e netos, a quem calhou só uma menina-neta, eu. Tinha um gosto enorme por reunir a sua grande família na sua pequena sala, até e fazia um bifinho especial para os que torciam o nariz à sua especialidade de coelho. Guardo sobretudo os seus cheiros... do perfume com que se cuidava sempre, da laca do cabelo impecavelmente arranjado e encaracolado (até que o cancro o alisou), do arroz com carne e da sopa que fazia de propósito (quero achar!) para me ligar a convidar para almoçar, da fruta descascada para fazer os gelados caseirinhos especiais para a família... Patrocinadora de detergentes e ingredientes vários para as invenções culinárias de primos em tardes de sábado e longos verões. Gostava de me agarrar pelo braço na rua para irmos à esplanada com as suas amigas, muitas das quais ainda hoje a lembram com tantas saudades e uma lágrimazita.


O avô Diamantino é uma ave silenciosa e imponente que tudo observa e guarda. De uma serenidade absoluta até que a demência nos roubou a sua doçura e lhe emprestou uma agitação e gulodice desconhecidas para nós, sem que ainda assim conseguisse roubar-nos as memórias da sua essência. Ficará na memória colectiva da cidade como um homem de branco em pé, junto ao seu carro de gelados, para mim ficará guardado sentado no seu lugar do sofá onde lia e via as notícias e de onde raramente saía. Quando me abria a porta e me descobria no fundo das escadas íngremes e dizia "é a minha princesinha".

A vizinha (chamava-se Mariana e nunca foi minha vizinha, mas roubei-a à vizinhança da minha avó) seria uma pequenina ave cantora, sempre a chilrear e a entoar canções antigas. Tinha a paciência mais infinita que hei-de conhecer, aliada à ansiedade de quem não descansa de preocupações com os seus. Cuidou de inúmeras crianças, desde que ela própria era uma criança. Conheço a sua infância como se a tivesse visto em filme e ansiou a vida toda por querer andar com os meus filhos ao colo, e só o Inverno pesado a travou, estava o Lourenço quase a chegar, Não era minha avó, não o foi de ninguém, mas conquistou esse lugar para mim.
E para além dela, tenho o privilégio de ter tido tantos outros avós e avôs...
... o Chico que me passeava quilómetros ao colo por Alcobaça e me ensinava a história do Mosteiro talhada nas linhas das suas próprias mãos de pedreiro.
... o bisavô Tomás, a rachar lenha junto à casa das ovelhas na aldeia da serra.
... a bisavó Palmira e a doçura do seu olhar-sorriso com o pão acabadinho de cozer na mesa.
... o avô Cantigas a cavar na horta da Espinheira e a avó a fazer café de borras bolinho, com os gatinhos tigrados a fazerem-nos cócegas nas pernas.
... a avó Velhinha a segurar-me ao colo naque
la fotografia da cómoda.

...os "meus" idosos da Fundação, avós dos outros, mas que me ofereceram afectos, memórias, histórias, lições.




Inês Vinagre. Com tecnologia do Blogger.

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